Capítulo 29 – O Lobo de Perre

Muito mudou desde a minha última entrada neste blogue. Desde o ataque ao acampamento do Gerês, deixei de ter contacto com a Organização. Sem a influência deles, o mal-estar causado na empresa onde trabalhava pelas minhas longas e injustificadas ausências levou ao meu despedimento. Para a minha esposa, que já andava desconfiada, o meu despedimento e as suas supostas causas foram a gota de água. O que ela suspeitava que se passava era óbvio, mas eu não lhe podia contar a verdade. Era incapaz de a carregar com o fardo do meu conhecimento de tudo o que existe escondido neste mundo, isto se ela sequer acreditasse em mim. Como tal, expulsou-me de casa e começou a tratar do divórcio.

Assim, sem nada que me prendesse a Braga, voltei para a casa dos meus avós, em Viana do Castelo, e para o quarto da minha juventude.

Deixei as minhas investigações. Depois da forma como tinham destruído a minha vida, não era capaz de continuar. Contudo, também não tinha motivação para fazer mais nada, incluindo encontrar um novo emprego. Passava os meus dias em frente ao computador lendo artigos e vendo vídeos para me entreter e distrair de tudo de tudo o que acontecera e do estado da minha vida. Raramente saía de casa, e quando o fazia era só para ajudar os meus avós com um ou outro recado ou tarefa.

Finalmente, após várias semanas, um evento impeliu-me a sair. O facto de eu me sentir melhor também ajudou. Aliás, na altura, senti que aquilo podia ser um ponto de viragem. Tomei aquilo como uma mensagem dos céus, embora não tivesse sido exclusivamente para mim.

O fenómeno a que me refiro foi uma rara queda de múltiplos meteoros, todos eles com impacto previsto para o noroeste português. Felizmente, nenhum deveria atingir zonas habitadas, embora houvesse sempre a possibilidade de erros e/ou danos colaterais.

Na noite em questão, saí de casa e juntei-me a um grupo de astrônomos amadores locais que haviam montado, e disponibilizado ao público, alguns telescópios no topo de uma colina isolada próxima. Ali, entre conversas de ocasião e discussões sobre astronomia e telescopia, esperámos.

O primeiro sinal dos meteoros surgiu pouco depois da uma da manhã na forma de um ponto de luz distante. Um dos astrônomos amadores deu o alerta, e corremos para os telescópios. Estes não eram suficientes para todos, porém, um dos astrônomos amadores trouxera um equipado com câmara e pôde partilhar a imagem capturada através de um tablet. Não era o mesmo, mas ia ter de servir até ter a oportunidade de espreitar por uma ocular.

Os pontos de luz eram surpreendentemente grandes, bem maiores do que eu esperava. Uns caiam mais perto, outros, mais longe, mas todos pareciam chegar ao solo. Também isto foi inesperado, pois a comunicação social anunciara que a maioria dos meteoros se iriam desintegrar alguns quilômetros no ar. Felizmente, até ao momento, todos eles pareciam ter atingido zonas florestais e não habitacionais. Além disso, dado o seu tamanho, pareciam não ter causado impactos de maior.

Enquanto o telescópio ligado à tablet seguia, usando os motores elétricos no tripé, um dos meteoros, este começou a aumentar de tamanho, até que se tornou numa enorme bola de fogo. Isto, claro, significava que se estava a aproximar. Por momentos, tememos que fosse cair junto a nós, mas logo relaxámos quando percebemos que não seria o caso. O objeto celeste acabou por cair num monte à nossa frente. Como os anteriores, o impacto não foi tão grande como seria de esperar. Também não provocou grande ruído, pelo menos muito menos do que um bólide daquele tamanho devia ter provocado.

Assim que a excitação de um impacto tão próximo esmoreceu, eu e os vários outros astrônomos amadores ali presentes entreolhamo-nos. Depois, quase em uníssono, dirigimo-nos para os nossos carros. Toda a gente queria ir ver o meteorito e o local do impacto. Este podia ter ocorrido no meio do monte, mas parecia ter sido próximo a um enorme rochedo oco conhecido popularmente como “Penedo Furado”. Este é bem conhecido da maior parte dos vianenses, assim como o caminho para lá chegar.

A travessia desde o lugar onde os telescópios estavam montados até à estrada de terra batida que levava ao Penedo Furado demorou cerca de quinze minutos. Alguns decidiram deixar ali os carros e continuar a pé, mas os mais curiosos, ou com menos amor aos carros, como eu, seguimos até ao fim do caminho florestal. O progresso não foi fácil. O meu carro abanou bastante ao passar por buracos e rochas, e arranhei a tinta em vários sítios. Ainda assim, o caminho terminava antes de chegar quer ao Penedo Furado, quer ao local do impacto, pelo que eu e os outros curiosos tivemos de percorrer as últimas centenas de metros a pé. Felizmente, tinha uma lanterna no porta-luvas, deixada ali desde os meus tempos de exploração urbana.

Quando, por fim, avistei a cratera, já três outros curiosos haviam lá chegado. Apercebi-me de imediato, pelas suas expressões de confusão, que algo não estava bem. Ainda assim, o que vi no fundo da cratera quando cheguei ao seu limiar apanhou-me de surpresa. O objeto que caíra do céu não era uma rocha, como esperado, mas um enorme objeto triangular de cantos arredondados feito de uma estranha matéria esbranquiçada. Esta parecia maleável, como pele, e estava coberta por uma substância viscosa que provavelmente a protegera e lhe permitira entrar na atmosfera terrestre sem sofrer danos com o intenso calor.

Os restantes curiosos, não pareciam fazer ideia do que se tratava, mas eu sim. Era em tudo semelhante ao “casulo” que a Organização encontrara na foz do rio Lima há algum tempo atrás. E eu lembrava-me bem da criatura que dele saíra. Para meu horror, o casulo no fundo da cratera tinha um enorme buraco num dos lados, revelando que aquilo que transportava já havia desembarcado.

– Temos de sair daqui – gritei, quase inconscientemente. – Já!

Os outros curiosos olharam para mim, alarmados. Porém, antes de terem oportunidade de me perguntar fosse o que fosse, um grito de profundo terror chamou a nossa atenção para outro lado. Reflexivamente, peguei num ramo de árvore caído como arma improvisada e corri para a origem do grito. Alguns dos curiosos imitaram-me. Não que mocas improvisadas nos fossem servir de muito contra as criaturas que casulos daqueles transportavam.

Felizmente, quando chegámos junto ao homem que gritara, não havia sinal do ser de além espaço. Porém, junto aos seus pés, jazia o corpo de uma mulher violentamente mutilado. Garras haviam estraçalhado o tronco, enquanto os membros se encontravam arrancados à sua volta. Durante alguns segundos, ficámos todos a olhar para o corpo, em choque. Então, alguns dos curiosos vomitaram. Depois, em uníssono, corremos todos de volta aos carros.

Assim que me encontrei atrás do volante, conduzi para fora daquele sítio. Devido à pressa, tive ainda menos cuidado do que antes. Por mais que uma vez, fiquei com a sensação de ter feito danos mecânicos ao carro, o que confirmei assim que regressei a casa dos meus avós. Contudo, as avassaladoras revelações daquela noite e as suas implicações ocupavam totalmente a minha mente.

O casulo anteriormente encontrado pela Organização já lá estava há muito tempo. O que significava aquela nova chegada? Qual o propósito da criatura que continha? Onde estava ela? E, mais aterrador ainda, seriam todos os meteoritos que haviam caído naquela noite casulos com criaturas semelhantes? Os reduzidos impactos das suas quedas pareciam indicar que eram menos densos do que seria de esperar se fossem rochas sólidas, pelo que era muito provável. E a Organização, depois da sua derrota no Gerês, teria recursos para os procurar e parar? Afinal, já haviam provocado uma morte. Mas Almeida e os seus homens pareciam haver desaparecido.

Com estes pensamentos a passarem-me pela cabeça, fui para a cama e, futilmente, tentei adormecer. Por fim, apercebi-me que não era ali deitado que ia encontrar respostas. Eu tinha abandonado aquele mundo que existe escondido do nosso, mas a minha intensa curiosidade e preocupação levou-me a melhor. De manhã, voltaria a Braga em busca de alguém nos sítios do costume que me pudesse dar algumas respostas. Com esta decisão feita, lá consegui adormecer, embora tivesse sido um sono cheio de pesadelos.

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